ACESSO ÀS INFORMAÇÕES SOBRE SATÉLITES E LIXO ESPACIAL

A cooperação espacial ampla, concreta e efetiva entre os países tornou-se indispensável por exigência de maior segurança, previsibilidade e sustentabilidade nas atividades espaciais. Se você pensou no crescente monturo acumulado nas melhores órbitas da Terra, está absolutamente certo.

Chegamos ao extremo de ver dois satélites colidirem na imensidão do espaço, no dia 12 de fevereiro último. Como pôde ter ocorrido um choque tão absurdo? Acaso faltam dados precisos sobre a trajetória dos satélites?

A maior potência espacial do mundo, os EUA, mantém um sofisticado sistema diuturno de rastreamento e observação dos objetos espaciais – inteiros e já fragmentados – com dimensão superior a 10 cm. Ele não poderia ter previsto o desastre iminente? Os dois satélites que trombaram pesavam, respectivamente, 950 e 560 kg. Não teria sido fácil detectá-los?

Muito já se escreveu sobre o inusitado episódio, mas ainda há perguntas no ar, ou no espaço, à espera de explicações mais completas e convincentes. E a curiosidade certamente aumentou com o que se ouviu na audiência pública sobre os perigos do lixo espacial, promovida pelo Subcomitê de Espaço e Aeronáutica do Comitê de C&T do Congresso dos EUA, no passado 28 de abril. O assunto foi tema do editorial da revista New Scientist, do mesmo dia 28 de abril, intitulado "Peritos apelam para que EUA divida dados sobre órbitas de satélites".

Ficamos sabendo – pelo depoimento de Richard Dalbello, executivo da empresa Intelsat, satélites de comunicação – que o Governo dos EUA evita distribuir todos os dados sobre os satélites rastreados pelo seu sistema, o que tem prejudicado os esforços feitos para prevenir colisões no espaço.

Segundo Dalbello, o comando espacial norte-americano que opera o sistema não libera os dados mais acurados e relevantes, limitando-se a disponibilizar às empresas operadoras de satélites e aos outros países informações de menor precisão.

Também foi dito na audiência que algumas operadoras vêem-se na contingência de funcionar com base em dados que elas mesmas geram sobre as posições e órbitas de seus satélites. Dados estes considerados insuficientes para impedir abalroamento de satélites.

Dalbello alertou que as colisões na órbita geoestacionária, por onde circulam os satélites milionários de telecomunicações, criam dejetos espaciais que podem durar dezenas de milhares de anos, ameaçando destruir redes de comunicação imprescindíveis na Terra. O recado é claro: só as melhores informações a respeito são capazes de nos ajudar a contornar o pior.

O comando espacial norte-americano, obviamente, usa critérios de segurança nacional para selecionar os dados a serem divulgados sobre satélites ativos. Os satélites militares têm proteção especial.

Para Scott Pace, diretor do Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, "o governo pode não querer informar a órbita de certos satélites e até mesmo se eles existem".

Mas, Victoria Sampson, da Fundação Mundo Seguro (Secure World Foundation), sediada em Washington, lembrou que bastam apenas alguns dados para evitar as colisões de satélites. A seu ver, tudo o que se precisa saber de um satélite para não bater de frente com ele é onde ele estará nos próximos momentos. E esta informação nunca deve faltar.

Cabe frisar que a captação, processamento, sistematização, avaliação e distribuição dos dados de satélites essenciais à prevenção da ocorrência de colisões em órbitas, são atividades espaciais imprescindíveis a todos os países.

Logo, a elas se aplica o princípio do bem comum, consagrado no Artigo 1º do Tratado do Espaço (de 1967) – o código maior das atividades espaciais –, segundo o qual "a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade".

Daí que os países que ratificaram o Tratado do Espaço, como os EUA, estão obrigados a facilitar o mais amplo acesso possível às informações por eles conhecidas sobre o movimento, a natureza e a situação dos satélites em órbita, estejam eles funcionando ou não.

Poucos são hoje os países capazes de manter um sistema de controle do tráfico espacial. Se os EUA detêm o sistema mais abrangente, a eles cabe, portanto, a responsabilidade maior neste campo vital.

Pelo menos até que se crie um sistema multilateral, um serviço público internacional, que responda, sem hesitação e vacilações, e de forma competente, à necessidade elementar crescente de segurança nas atividades espaciais de todo e qualquer país.

José Monserrat Filho é jurista e jornalista, professor de Direito Espacial, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial e atualmente chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Fonte: http://www.boletimsupernovas.com.br/edicao/512/noticia/2412/BSN_acesso-as-informacoes-sobre-satelites-e-lixo-espacial.htm

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